Jornal Médico - Alargar a mais franjas da população o acesso à vacina antigripal de dose elevada

No simpósio “Vacinação contra a Gripe – Uma nova solução para as populações mais vulneráveis”, promovido pela Sanofi no evento magno de Medicina Interna, demonstrar os benefícios da extensão do acesso à vacina de dose elevada contra a gripe a populações mais vulneráveis, para além das institucionalizadas, foi o propósito do painel multidisciplinar que englobou a Geriatria, Medicina Interna, Cardiologia e Endocrinologia. Saiba mais na edição 142 do Jornal Médico. Sob a moderação e participação da coordenadora do Núcleo de Estudos de Geriatria da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (NEGERMI) e internista do Hospital CUF Descobertas, Sofia Duque, a sessão teve os contributos de Gonçalo Sarmento, assistente hospitalar de Medicina Interna no Centro Hospitalar Entre Douro e Vouga; de Carlos Aguiar, consultor de Cardiologia e coordenador da Unidade de Insuficiência Cardíaca Avançada e Transplante Cardíaco no Hospital de Santa Cruz (Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental); e de Bruno Almeida, diretor clínico adjunto da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP). Para enquadrar a sessão, Sofia Duque recordou que “a gripe é uma patologia que ainda é muito banalizada, não só pela sociedade em geral, mas também pelos profissionais de saúde”. Tal se demonstra perante os dados do estudo BARI1, primeiro estudo a estimar a carga de morbidade e mortalidade epidemiológica e económica da gripe em Portugal, entre 2008 e 2018, com dados provenientes do Serviço Nacional de Saúde (SNS), notou a moderadora do simpósio. Gripe: Uma Doença Subvalorizada Como apontou a médica internista, verificou-se que, “por ano e por cada 100 mil habitantes, havia 12 internamentos”. Por serem números “que ficam muito aquém das expectativas”, uma vez que apenas contemplam os internamentos que foram codificados como gripe, foi aplicada uma “metodologia estatística no sentido de estimar qual o real número de casos de gripe e complicações associadas, tendo em conta a gravidade da doença”. “O número esperado de internamentos associados à gripe na faixa etária dos 65 ou mais anos é quase oito vezes maior do que aquele que foi identificado na “vida real”. E isto de facto mostra que subvalorizamos e subdiagnosticamos a gripe”, advertiu Sofia Duque, destacando também os números da mortalidade que tiveram igualmente de ser ajustados pelo mesmo método científico. Quanto à realidade do grupo composto por “pessoas com 65 ou mais anos e com morbilidade, os internamentos são relativamente prolongados, de quase 13 dias – e praticamente metade desta população requer a prescrição de oxigenoterapia”. A coordenadora do Núcleo de Estudos de Geriatria da SPMI acrescentou: “Cada um destes doentes idosos, com doenças crónicas e internados por gripe, custam ao SNS cerca de 3.500 euros”, afirmou, completando: “Se olharmos para os internamentos que dizem respeito a pessoas com menos de 65 anos e também com doenças crónicas – este custo ainda é maior, provavelmente à custa da necessidade de ventilação mecânica invasiva”. Perante o panorama nacional, Sofia Duque defendeu “a importância de se proceder à vacinação contra a gripe”, ainda que os dados relativos à última época gripal mostrem que “83% das pessoas idosas foram vacinadas e quase 80% das pessoas com doenças crónicas também o foram”. Mas os números relativos aos profissionais apontam uma tendência diferente: “apenas 52% dos profissionais de saúde foram vacinados. E grande parte destes têm contacto com doentes vulneráveis”, salientou, indicando também que “a taxa de vacinação tem vindo a aumentar, no geral, ao longo dos anos”. Contudo, na opinião da especialista, estes dados não refletem a perceção individual que lhe dá o quotidiano assistencial: “Eu, na prática clínica, fazendo urgência e internamento, não estaria à espera de ver tantas pessoas vacinadas – porque, nos últimos tempos, vi muitos doentes internados com infeções respiratórias, nomeadamente traqueobronquite aguda e pneumonia”. Assim, no ponto de vista de Sofia Duque, “provavelmente, a vacina de dose padrão que tem vindo a ser administrada não será a mais eficaz na população com 65 ou mais anos”. E sublinha: “É precisamente neste grupo que se posiciona, como nova solução, uma vacina também tetravalente – mas de dose elevada – e que já mostrou ser mais eficaz na prevenção da gripe, com redução do número de casos, tendo também impacto na mortalidade”. Vulnerabilidade da população idosa associada à imunossenescência Tomando a palavra, Gonçalo Sarmento, especialista de Medicina Interna, começou por focar a vulnerabilidade das pessoas com 65 ou mais anos de idade face à gripe, causada pelo “envelhecimento dos diversos sistemas de órgãos” e pelo “processo de imunossenescência”. Por outro lado, conforme explicou, muitos doentes idosos apresentam-se com doenças crónicas que acarretam “maior morbimortalidade quando estão infetados com o vírus da gripe”, além da “maior fragilidade que decorre também do processo de senescência” e que leva esta população a recorrer mais frequentemente a serviços de saúde, ficando “mais exposta a infeções”. O médico internista recordou que cerca de “100 mil idosos em Portugal estão institucionalizados” e esta situação, tal como se pôde observar durante a pandemia COVID-19, “faz com que haja uma maior propensão para surtos e infeções”. Assim, na perspetiva do médico, o tema da vacinação tem de estar em cima da mesa, porque a gripe e as complicações inerentes têm um impacto significativo no declínio funcional e até cognitivo, fazendo com que muitos doentes infetados “não consigam recuperar na sua plenitude, aquela que era a sua autonomia prévia”. Diabetes e Gripe: Uma Associação com Maior Risco de Complicações Na sequência das preleções anteriores, foi tempo de abordar a população diabética e, conforme elucidou Bruno Almeida, diretor clínico adjunto da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal, “o processo de senescência leva a um conjunto de alterações e a insulinorresistência”. A respeito da prevalência da diabetes – maior na faixa etária entre os 60 e os 79 anos e no sexo masculino – o especialista referiu que esta patologia, “como diagnóstico primário ou secundário, vai ser responsável por 20% das hospitalizações”. E é no seguimento destas hospitalizações que, “muitas vezes, por quadros respiratórios agudos, nomeadamente na época do inverno, ocorre descompensação de outras patologias, como a insuficiência cardíaca”, explicou. Acerca da convivência da diabetes com a gripe, o endocrinologista observou que “a própria diabetes leva a que haja uma hiperglicemia mantida, menor resposta imunitária e capacidade de combater o vírus da gripe”. O especialista adiantou, inclusive, que “alguns estudos já verificaram que a hiperglicemia crónica mantida pode aumentar a replicação do vírus da gripe a nível do epitélio pulmonar, o que se traduz num maior risco de complicações”. Relativamente à vacinação, Bruno Almeida assinalou haver “evidência que demonstra o seu impacto na redução da mortalidade em pessoas com diabetes”, sublinhando: “A American Diabetes Association, nas suas recomendações, veio apontar um dado muito objetivo: nas pessoas com diabetes e com mais de 65 anos deve privilegiar-se uma vacina de dose elevada versus a vacina de dose padrão, porque a primeira está associada a melhores outcomes”. Em Defesa da Vacinação dos Doentes Cardíacos com a Opção Dose Elevada Por sua vez, o cardiologista Carlos Aguiar começou por partilhar com a audiência os comentários feitos pelos seus doentes durante a consulta, manifestando, muitas vezes, que “quando levam a vacina, apanham gripe”. Tal verbalização faz o cardiologista considerar que, possivelmente, “temos de centrar o diálogo com o doente no que é realmente importante. A vacina contra a gripe deve ser vista como uma intervenção importante para prevenir complicações cardiovasculares – que, quando acontecem no contexto de gripe, implicam morbilidade e mortalidade muito significativas”. Como explicado por Carlos Aguiar, as doenças cardiovasculares “são uma das consequências indiretas da infeção pelo vírus influenza”, podendo ocorrer “uma precipitação de síndromes coronárias agudas, como enfarte agudo do miocárdio (EAM), e exacerbações de outras patologias, como insuficiência cardíaca”. Há também “um aumento do risco de acidente vascular cerebral (AVC) por mecanismos fisiopatológicos muito semelhantes aos do EAM, porque há interferência com o risco trombótico e inflamatório associado à infeção”. De facto, “nos primeiros dias após infeção por gripe há um aumento muito substancial – de 8 a 10 vezes em alguns estudos – do risco de EAM e também do risco de AVC”, indicou o cardiologista. Apontando a necessidade de vacinação dos doentes cardíacos – em particular, os que apresentam cardiopatia isquémica, insuficiência cardíaca, hipertensão pulmonar e cardiopatias congénitas – o cardiologista defendeu que a “nova vacina de dose elevada é mais eficaz para vacinar os doentes idosos”. Esta vacina de dose elevada, já disponível em Portugal, foi introduzida na última época gripal (2022/2023)”, mas “apenas para as populações de idosos institucionalizados em lares”. “É uma vacina quadrivalente e que tem a particularidade de ter quatro vezes mais quantidade de hemaglutinina, o que faz com que a antigenicidade – isto é, a estimulação da resposta imunitária – seja francamente superior”, alcançando, no indivíduo com um sistema imunitário senescente, uma reação imunitária mais adequada. “Esta vacina de dose elevada”, notou o especialista, “demonstrou claramente superioridade num ensaio clínico2 que incluiu cerca de 32 mil doentes aleatorizados de forma cega e com dupla ocultação” e no qual se observou “redução de 24% do número de casos confirmados laboratorialmente de gripe na população com 65 ou mais anos de idade”. “Nas pessoas com mais do que 75 anos de idade, a resposta parece ser ainda melhor, mostrando que, de facto, a senescência é uma boa razão para se investir numa vacina que tem mais quantidade de antigénio”, enalteceu. Com base em dados de mundo real, de uma revisão e meta-análise de estudos observacionais ao longo de 10 épocas de gripe em 34 milhões de indivíduos3, Carlos Aguiar afirmou que “a vacina de dose elevada oferece maior proteção contra complicações graves da gripe, como a pneumonia e hospitalizações por causas cardiorrespiratórias, comparativamente à vacina de dose padrão”. “Estas evidências levaram as autoridades de Saúde, um pouco por todo o mundo, incluindo Europa, a reconhecerem as mais-valias da vacina de dose elevada em populações destas faixas etárias ou até discretamente mais baixas, a partir dos 60 anos de idade”, afiançou o cardiologista, acrescentando: “Também Portugal é um dos países onde será aceite que esta vacina possa vir a ser utilizada a partir dessa idade, embora neste momento, o SNS ainda não a esteja a comparticipar para esta população”. No decorrer da sua intervenção, Carlos Aguiar mencionou ainda o estudo DANFLU-14, descrevendo as suas características e assinalando os resultados: “O que se viu na amostra de pessoas entre os 65 e os 79 anos de idade foi uma redução significativa das hospitalizações por gripe ou por pneumonia, portanto, formas graves de complicações respiratórias, assim como uma redução das hospitalizações por todos os conjuntos de causas cardiorrespiratórias, com um sinal interessante e significativo de redução da mortalidade por todas as causas”. Sendo o DANFLU-1 um estudo de viabilidade e não de eficácia, está a decorrer “um ensaio clínico de dimensão muito maior, que é o DANFLU-2 que estará concluído no próximo ano”, destacou o especialista. Este artigo é da exclusiva responsabilidade e iniciativa editorial do Jornal Médico REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS: 1. Burden of Acute Respiratory Infections 2. Diaz Granados CA et al. Vaccine. 2014 3. Lee JKH et al. Vaccine. 2021 4. Johansen ND et al. Pilot Feasibility Stud. 2022

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