Jornal Médico - “É mais difícil retirar uma vacina do pnv que incluir uma nova”

Pediatras e m&eacute;dicos de fam&iacute;lia t&ecirc;m o dever de informar os pais sobre a exist&ecirc;ncia e vantagens para a crian&ccedil;a da imuniza&ccedil;&atilde;o extra Programa Nacional de Vacina&ccedil;&atilde;o (PNV), nomeadamente acerca das vacinas antimeningoc&oacute;cica e antirrotav&iacute;rus. Quem o diz &eacute; o pediatra do Hospital D. Estef&acirc;nia, presidente da Sociedade de Infeciologia Pedi&aacute;trica (SIP) e coordenador da Comiss&atilde;o de Vacinas da SIP/Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP), Lu&iacute;s Varandas, salientando que o foco destas recomenda&ccedil;&otilde;es n&atilde;o deve incidir tanto sobre a rela&ccedil;&atilde;o custo-benef&iacute;cio, mas sobretudo numa vertente mais cient&iacute;fica a respeito da efic&aacute;cia e seguran&ccedil;a das vacinas. O professor e investigador da Nova Medical School |Faculdade de Ci&ecirc;ncias M&eacute;dicas e do Instituto de Higiene e Medicina Tropical alerta para os perigos da &ldquo;moda antivacina&ccedil;&atilde;o&rdquo;, fen&oacute;meno at&eacute; agora com pouca express&atilde;o em Portugal JORNAL M&Eacute;DICO | As recentes altera&ccedil;&otilde;es ao PNV trouxeram as vacinas para a ordem do dia. Como comenta estas mudan&ccedil;as, em especial a que mais deu que falar &ndash; o fim da administra&ccedil;&atilde;o universal da BCG? Lu&iacute;s Varandas | S&atilde;o mudan&ccedil;as bem-vindas. Relativamente &agrave; retirada da BCG do PNV, a decis&atilde;o foi profundamente discutida por v&aacute;rios profissionais de sa&uacute;de ligados &agrave; &aacute;rea da vacina&ccedil;&atilde;o, como &eacute; o caso da Comiss&atilde;o de Vacinas da SIP/SPP, da Comiss&atilde;o T&eacute;cnica de Vacina&ccedil;&atilde;o da Dire&ccedil;&atilde;o-Geral da Sa&uacute;de (DGS) e de v&aacute;rias sociedades cient&iacute;ficas, tendo os dados de evid&ecirc;ncia sido un&acirc;nimes pela sa&iacute;da da BCG do PNV. As recomenda&ccedil;&otilde;es da Organiza&ccedil;&atilde;o Mundial de Sa&uacute;de (OMS) tamb&eacute;m pesaram para esta decis&atilde;o, na medida em que, do ponto de vista epidemiol&oacute;gico, a n&iacute;vel nacional, n&atilde;o se justifica a administra&ccedil;&atilde;o universal desta vacina. Ainda que, tal como em outros pa&iacute;ses europeus, Portugal apresente bolsas de risco, nomeadamente em Lisboa e Porto (nos grandes centros urbanos). Assim sendo, a DGS definiu os grupos de risco para administra&ccedil;&atilde;o da BCG e embora seja expet&aacute;vel alguma turbul&ecirc;ncia no arranque da implementa&ccedil;&atilde;o das normas de orienta&ccedil;&atilde;o, esperamos que, no pr&oacute;ximo ano, este processo j&aacute; esteja a fluir com naturalidade. JM | Que vantagens v&ecirc; na introdu&ccedil;&atilde;o da vacina antipneumoc&oacute;cica no PNV? LV | Essa foi uma medida que apenas pecou por tardia. As grandes vantagens que esperamos da imuniza&ccedil;&atilde;o universal antipneumoc&oacute;cica prendem-se, sobretudo, com a redu&ccedil;&atilde;o na incid&ecirc;ncia de meningites em crian&ccedil;as pequenas e de pneumonias na crian&ccedil;a mais crescida. No entanto, esta vacina &ndash; que protege contra as infe&ccedil;&otilde;es causadas pela bact&eacute;ria Streptococcus pneumoniae, como pneumonia, meningite, s&eacute;psis, otite m&eacute;dia aguda ou sinusite &ndash; tem as suas particularidades. A S. pneumoniae apresenta v&aacute;rios serotipos, o que lhe confere uma maior variabilidade gen&eacute;tica e, infelizmente, a vacina n&atilde;o protege contra todos os serotipos circulantes numa dada regi&atilde;o. Isto significa que, ao longo do tempo existe a possibilidade de substitui&ccedil;&atilde;o de serotipos: ao eliminar alguns serotipos pela a&ccedil;&atilde;o da vacina, podemos estar a dar espa&ccedil;o para o aparecimento de outros. Apesar disso, os resultados dos estudos epidemiol&oacute;gicos efetuados em Portugal e outros pa&iacute;ses da Europa, mostram que os ganhos s&atilde;o enormes. JM | Qual a import&acirc;ncia da imuniza&ccedil;&atilde;o contra o rotav&iacute;rus no mundo ocidental? N&atilde;o h&aacute; registos de casos de morte por rotav&iacute;rus em Portugal... LV | A doen&ccedil;a causada pelo rotav&iacute;rus &ndash; gastrenterite aguda &ndash; &eacute; extremamente prevalente, mas a taxa de mortalidade em pa&iacute;ses da Europa Ocidental &eacute;, de facto, praticamente inexistente. E o grande &ldquo;problema&rdquo; da vacina&ccedil;&atilde;o contra este v&iacute;rus reside precisamente a&iacute;&hellip; Todas as crian&ccedil;as t&ecirc;m infe&ccedil;&otilde;es por rotav&iacute;rus, seja no primeiro, segundo ou terceiro ano de vida e, &agrave; medida que crescem e v&atilde;o tendo epis&oacute;dios de reinfe&ccedil;&atilde;o, estes v&atilde;o sendo cada vez mais &ldquo;leves&rdquo; at&eacute; se tornarem assintom&aacute;ticos. Assim, a vacina&ccedil;&atilde;o contra o rotav&iacute;rus no mundo ocidental destina-se, sobretudo, a prevenir a morbilidade associada &agrave;s infe&ccedil;&otilde;es. A meu ver, esta &eacute; uma doen&ccedil;a que importa prevenir, na medida em que tem uma forte carga de morbilidade, bem como custos (diretos e indiretos) associados, que se prendem com recurso &agrave;s urg&ecirc;ncias, internamentos e absentismo escolar e laboral. Em alguns pa&iacute;ses, depois de avaliada a rela&ccedil;&atilde;o custo/efetividade, esta vacina foi inclu&iacute;da nos programas nacionais de vacina&ccedil;&atilde;o. A n&iacute;vel nacional, para uma inclus&atilde;o no PNV, falta e importa equacionar, com base em evid&ecirc;ncia forte, se o custo da vacina &eacute; menor do que os custos associados &agrave; doen&ccedil;a que a imuniza&ccedil;&atilde;o se destina a prevenir. JM | Que impacto tem a imuniza&ccedil;&atilde;o das crian&ccedil;as portuguesas contra a meningite por meningococo tipo B e quais as recomenda&ccedil;&otilde;es da Comiss&atilde;o de Vacinas SIP/SPP a este n&iacute;vel? LV | Por diametral oposi&ccedil;&atilde;o ao que sucede com o rotav&iacute;rus, a meningite por meningococo B &ndash; causada pela bact&eacute;ria Neisseria meningitidis &ndash; &eacute; uma doen&ccedil;a muito rara, mas muito grave. Em Portugal h&aacute; 40 ou 50 casos por ano, mas a taxa de mortalidade pode chegar aos 10%. Para al&eacute;m da mortalidade elevada, esta infe&ccedil;&atilde;o pode deixar sequelas para toda a vida, quer a n&iacute;vel cognitivo, quer f&iacute;sico. Estes argumentos s&atilde;o suficientes para a Comiss&atilde;o de Vacinas da SIP/SPP emitir uma recomenda&ccedil;&atilde;o para administra&ccedil;&atilde;o da vacina, no que respeita ao mercado privado. J&aacute; para a inclus&atilde;o desta vacina no PNV, imp&otilde;e-se uma an&aacute;lise aprofundada de custo-efetividade. E &eacute; preciso notar, ainda, que se trata de uma vacina recente, ou seja, ainda com poucos dados de efetividade a longo prazo. JM | Existe, obviamente, um racional cient&iacute;fico para as m&uacute;ltiplas doses desta vacina, mas tamb&eacute;m essa &eacute; uma mensagem dif&iacute;cil de passar aos pais, sobretudo se pensarmos no pre&ccedil;o desta vacina antimeningoc&oacute;cica? LV | Os estudos mostram que &eacute; necess&aacute;ria a administra&ccedil;&atilde;o de mais do que uma dose, em fun&ccedil;&atilde;o da idade e da resposta imunol&oacute;gica. Quanto mais cedo for administrada, mais doses ser&atilde;o necess&aacute;rias para o nosso sistema imunol&oacute;gico responder de forma adequada. JM | Com base na sua pr&aacute;tica cl&iacute;nica, que raz&otilde;es considera que mais pesam na decis&atilde;o dos pais, quando optam por n&atilde;o vacinar contra a meningite B? O pre&ccedil;o da vacina, o receio de rea&ccedil;&otilde;es adversas ou o facto de ser uma vacina ainda muito recente? LV | Penso que a decis&atilde;o de n&atilde;o vacinar se prende com uma mistura de todos esses motivos. Por&eacute;m, quando informo os pais sobre a efetividade de determinada vacina, lhes apresento dados concretos, eles acabam por interiorizar a import&acirc;ncia dessa imuniza&ccedil;&atilde;o e decidem, na quase totalidade dos casos, pela administra&ccedil;&atilde;o da mesma. JM | At&eacute; porque ao entrarem para o PNV &ndash; e temos o caso da vacina antipneumoc&oacute;cica &ndash; a ades&atilde;o &eacute; total... LV | Sem d&uacute;vida. Portugal tem uma das taxas de vacina&ccedil;&atilde;o mais elevadas do mundo. JM | A &ldquo;moda&rdquo; de n&atilde;o vacinar as crian&ccedil;as n&atilde;o tem grande express&atilde;o entre n&oacute;s... LV | Felizmente, n&atilde;o h&aacute; essa tend&ecirc;ncia. Os perigos desta &ldquo;moda&rdquo; s&atilde;o bem conhecidos. Se pensarmos que s&oacute; existe uma vacina que n&atilde;o &eacute; condicionada pela vacina&ccedil;&atilde;o em massa &ndash; a do t&eacute;tano &ndash; e que todas as outras vacinas beneficiam da imunidade de grupo, percebemos que a &ldquo;moda&rdquo; de n&atilde;o vacinar as crian&ccedil;as &eacute; uma &ldquo;moda&rdquo; ego&iacute;sta. Ao contr&aacute;rio dos medicamentos, as vacinas encaixam na categoria de preven&ccedil;&atilde;o, em que a no&ccedil;&atilde;o de risco &eacute; subjetiva. As pessoas n&atilde;o sentem o medo da doen&ccedil;a, porque esta &eacute; apenas uma hip&oacute;tese. Mas &eacute; preciso lembrar que a &uacute;nica doen&ccedil;a erradicada at&eacute; &agrave; data &eacute; a var&iacute;ola. As outras &ndash; como o sarampo ou a difteria &ndash; andam por c&aacute;&hellip; E infelizmente temos casos recentes e medi&aacute;ticos, como o da crian&ccedil;a espanhola que morreu de difteria porque n&atilde;o era vacinada e de imediato os pais vacinaram o outro filho. JM | Podemos esperar, num futuro pr&oacute;ximo, mais altera&ccedil;&otilde;es ao PNV? LV | O PNV &eacute; expet&aacute;vel e desejavelmente um programa din&acirc;mico. Desde que se iniciou at&eacute; &agrave; atualidade j&aacute; sofreu v&aacute;rias mudan&ccedil;as. &Eacute; certo que estamos mais habituados &agrave; inclus&atilde;o do que &agrave; retirada de vacinas e &eacute; mais dif&iacute;cil retirar uma vacina da cobertura universal do que incluir uma nova. Por&eacute;m, seria poss&iacute;vel &ldquo;erradicar&rdquo; mais algumas doen&ccedil;as, se houvesse, a n&iacute;vel mundial, uma imuniza&ccedil;&atilde;o em massa. &Eacute; o caso da poliomielite e do sarampo... Se essas doen&ccedil;as fossem erradicadas, seria poss&iacute;vel retirar as vacinas do PNV. Mas s&oacute; se conseguem erradicar doen&ccedil;as com n&iacute;veis de cobertura vacinal a n&iacute;vel mundial perto dos 100%. Em termos de investiga&ccedil;&atilde;o cl&iacute;nica, h&aacute; v&aacute;rias vacinas a ser desenvolvidas. A grande dificuldade est&aacute; em desenvolver vacinas baratas, eficazes e com poucos efeitos secund&aacute;rios. Este equil&iacute;brio &eacute; muito dif&iacute;cil de atingir.

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