Jornal Médico - Rui Cernadas: "CSP – Contratualização ou tiro no pé?"

Leia a habitual crónica de Rui Cernadas respetiva à edição 140 do Jornal Médico, numa passagem pelas contratualizações nos Cuidados de Saúde Primários (CSP). Os processos de contratualização foram certamente fundamentais para a evolução dos Cuidados Primários em Portugal. Num certo sentido porque “revolucionaram” o modo de ver e entender a prática clínica e de remunerar o pessoal dos centros de saúde em função de resultados e porque, por outro lado, tentaram empurrar a Administração Pública na área da Saúde para um outro paradigma. Por outro lado, falharam duplamente. Primeiro porque apesar do papel precursor e de desbravamento de mentalidades, a Contratualização foi-se tornando maçadoramente burocrática e administrativa, enrolada na vontade da classe de Administradores Hospitalares – responsáveis pela gestão desastrosa do SNS e dos nossos Hospitais nos últimos 25 ou 30 anos. Depois porque, assim e com a cobertura política e incapaz da A.C.S.S., transformaram o processo num gigantesco e estúpido trabalho que desviou os médicos e os enfermeiros das catividades nobres, as assistenciais, para outras não clínicas nem relevantes para a prevenção da doença ou a promoção da saúde. Bastará atentarmos em como a função médica se perdeu em auditorias sem interesse, em gestão de reclamações na generalidade do sistema, em reuniões sem equipa nem destino, em preparação de documentos para gozo de alguns e inutilidade para todos e na absoluta falta de tempo para receber doentes ou atendimentos não programados! Será que na gestão do SNS e antes nas Administrações Regionais já ninguém sente ou se incomoda com a desilusão com que os Cuidados Primários são tratados pelos utentes ou pelas autarquias? Onde está o entusiasmo com que os autarcas reclamavam a criação de USF? Onde estão os elogios dos cidadãos ao movimento que transformou os velhos centros de saúde e extensões em inovadoras respostas clínicas, por equipas solidárias e coesas de profissionais empenhadas em, de facto, corresponder aos anseios das populações inscritas? Como se conseguirá atrair, de novo, jovens médicos para os Cuidados Primários? Quem aceitará ou pretenderá uma carreira enfadonha e inundada por burocracias, sem condições para uma prática médica qualificada e valorizada? Os indicadores não são pensados nem justificados e nem cumprem objetivos de avaliação de resultados assistenciais e ganhos em saúde, nem consolidam ou lançam novas formas ou modelos de intervenção diagnóstica, preventiva ou terapêutica. Os sistemas de informação precisam igualmente de intervenção. No plano dos equipamentos, dos milhares de equipamentos obsoletos pelo tempo e com exigências de investimentos avultadíssimos e no plano dos programas envolvidos, “carradas” deles, sem integração nem articulação possível. A humanização da medicina e da medicina geral e familiar é mandatória. O conceito geossocial do doente no centro do sistema é uma tremenda balela, agora mais do que nunca. O desperdício e a insensibilidade da gestão de topo para os Cuidados Primários terá um custo elevadíssimo. Para os profissionais, atraiçoados pelos seus pares envolvidos em órgãos de Missão e outros que serviram para arruinar uma Reforma única na história da Administração Pública. E que vão liquidar o modelo USF e passa-lo à história… Para os utentes, já em muitos casos e locais a não identificarem as vantagens do sistema actual relativamente ao modelo dos velhos postos médicos da “Caixa”! Para o SNS repartido entre os seus “herdeiros”, Autarquias, D.G.S., as comissões liquidatárias das A.R.S., o nado-morto da A.C.S.S. e as Comissões Coordenadoras Regionais…

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