Os amigos do Facebook contam… mas menos que os de “carne e osso”
DATA
09/06/2015 11:00:05
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Jornal Médico
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Os amigos do Facebook contam… mas menos que os de “carne e osso”

Facebook

Pode-se morrer de solidão? A resposta, por mais inesperada que possa surgir, é: pode-se! A solidão é mesmo mais prejudicial para saúde do que o consumo de tabaco ou de álcool. É pelo menos esta a conclusão de uma meta-análise recente que avaliou os resultados de cerca de 150 estudos que recolheram dados objectivos sobre as taxas de mortalidade ou de morbilidade e indicadores de apoio ou de integração social, envolvendo mais de 300 mil participantes em todo o mundo. E que permite concluir que os indivíduos que têm – ou que sentem que têm – mais relações sociais disponíveis, bem como os que se encontram integrados em mais redes sociais ou que desempenham uma maior diversidade de papéis sociais têm uma menor probabilidade de adoecer e de morrer.

É um facto, sustentado em dados robustos que se aplica a todas as populações, grupos etários e classes sociais revelando a evidência disponível, de forma muito clara, que as relações sociais não estão apenas relacionadas com a qualidade das nossas vidas, mas também com a sua duração e que a solidão não é apenas uma variável psicológica que produz depressão, mas uma variável social que produz doença e morte, garantem os investigadores.

A solidão é por isso um problema de saúde pública e o relacionamento com outros contribui para o combater, diminuindo em cerca de 30% a probabilidade de morte.

Foi com base nesta premissa, que uma equipa de investigadoras do Centro de Investigação e Intervenção Social do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, coordenados pela professora Luísa Lima, decidiu procurar respostas para uma questão relacionada, igualmente relevante na actualidade: ter amigos faz bem à saúde. Mas será que os amigos do Facebook contam?

Ou… A interacção social “ao vivo” vale tanto quanto a à distância que é proporcionada pelos social media?

Para obter a reposta pretendida, as investigadoras promoveram um inquérito a 803 pessoas através de um painel on-line, no passado mês de Abril. De acordo com a equipa liderada por Luísa Lima, tratou-se de uma amostra equilibrada em termos de sexo, diversificada pelas diversas regiões do país e em termos de escolaridade.

As conclusões revelam que em Portugal, a frequência de contacto com os amigos através do Facebook constitui um factor de risco para a proximidade aos outros, que se consubstancia no facto de que quem mais usa esta rede social sente-se mais só, acha que tem menos apoio de outros em caso de necessidade e sente-se menos ligado aos que o rodeiam.

Centenas de amigos… Dezenas “do peito”

As respostas ao inquérito realizado pela empresa NetSonda para o Centro de Investigação e Intervenção Social (CIS-IUL) do ISCTE, informam que 89,2% dos inquiridos tem uma conta no Facebook, à qual 41,2% dispensou mais de três horas na semana que antecedeu o inquérito e 29,4% entre uma a três horas. Tempo gasto a interagir com os muitos “amigos” da rede, que a maioria afirmou ter. De facto, cerca de 45% dos inquiridos com conta no Facebook, afirmou ter mais de 300 amigos na popular rede social e 12%, mais de mil. Menos de 50 amizades foi o valor apontado por 9,1% da amostra.

Já quando confrontados com a pergunta: “dos amigos de Facebook, quantos considera verdadeiros amigos?”, 81,4% respondeu que menos de 50 o eram de facto.

Independentemente do grau de amizade reconhecido, a verdade é que a maioria dos utilizadores (53%) do Facebook contacta os seus amigos pelo menos uma vez por semana. E há mesmo muitos que o fazem diariamente (21%). Apenas 2,5% afirmou que nunca contactava com os seus amigos através do Facebook.

Na vida real – dos amigos in vivo – os números são muito diferentes. A maior parte dos inquiridos revelou ter menos de 20 amigos com cerca de 8% a indicar menos de cinco. Mais de 50 amigos “reais” foi quanto afirmou ter 18,3% da amostra. Valores que encolheram ainda mais quando se “apertou a malha” da valoração da amizade, procurando saber quantos “amigos íntimos” os inquiridos tinham na vida real e no Facebook, tendo-se verificado que a maioria referiu ter entre dois a seis amigos íntimos (68,4%) na vida real… Sensivelmente os mesmos que referiram um número semelhante de amigos íntimos no Facebook (69,1%).

Quando a amizade e a saúde se cruzam

No estudo, Luísa Lima e a sua equipa procuraram caracterizar a associação da amizade à saúde, testando as associações entre a dimensão e a qualidade da rede social e os indicadores de saúde física, saúde mental e bem-estar. Da análise das diferentes variáveis utilizadas foi possível concluir que os amigos de carne e osso e o convívio com estes amigos são factores com impacto na saúde, física e mental, ao contrário dos amigos das redes sociais e do contacto com estes amigos através do Facebook que apenas contribuem para a explicação das variáveis ligadas à saúde quando reforçam as amizades ao vivo.

Outra das dimensões analisadas foi a do sentimento de solidão e de apoio social e ligação aos outros (bonding). Os resultados informam que a maioria dos inquiridos (54%) nunca ou raramente se sente só. Apenas 10% confessou sentir-se só muitas vezes ou quase sempre.

Como seria expectável, mais convívio e um maior número de amigos verdadeiros no Facebook associam-se a menores níveis de solidão. Pelo contrário, “maior intensidade de convívio no facebook, que se traduz em estar mais tempo on-line a fazer likes, comentários ou a enviar mensagens a outras pessoas, está associada a um maior sentimento de solidão”, apontam as investigadoras do ISCTE.

A análise qualitativa do relacionamento social revelou que a maioria dos inquiridos consideram ter um elevado nível de apoio social em situações de dificuldade. De facto, “64% dos inquiridos considera que em situações complicadas tem muitas vezes ou quase sempre pessoas que o ajudam e apenas 6% consideram que isso só acontece muito raramente ou nunca”.

Ou seja, para além do sentimento de forte ligação aos outros a maioria dos inquiridos confia nos que o rodeiam in vivo. Uma percepção que se reflecte em diferentes vertentes da relação: a maioria está convencida de que tem pessoas em quem pode confiar totalmente; com quem pode desabafar em caso de necessidade e a quem pode recorrer em caso de doença.

Mas há ainda uma outra dimensão do convívio com os outros e que se prende, não com estas relações de confiança mais profundas, mas com a partilha de afinidades. A este nível, os contactos e amigos no Facebook são importantes para estarmos informados sobre o que nos rodeia e para promover um sentimento de pertença à sociedade que nos envolve. Noutras palavras, para nos sentirmos integrados. No estudo realizado 45% sente-se bem integrado socialmente e 56% vivencia uma forte conexão social. O número de amigos no Facebook e contacto com eles por esta via está positivamente associado a este sentimento de integração social. Quem contacta mais com amigos pelo Facebook tem uma identidade mais rica e, de uma maneira geral, sente-se mais associado aos outros (bridging).

Do estudo resultaram também evidentes diferenças em função do género, com as mulheres a revelarem ser mais selectivas relativamente à amizade, uma vez que dizem ter menos amigos, mas mais amigos íntimos do que os homens. E também são elas que se sentem mais sós e menos integradas socialmente, apesar de acharem que terão mais apoio numa situação de dificuldade.

Last but not least… As mulheres utilizam o Facebook com mais frequência do que os homens e mantêm mais a sua conta do que eles.

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Editorial | Luís Monteiro, membro da Direção Nacional da APMGF
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