Jornal Médico - Qualidade dos trabalhos justifica ex-aequo geral

A profus&atilde;o pouco comum de pr&eacute;mios, resulta da enorme dificuldade de escolha sentida pelo j&uacute;ri, perante 45 candidaturas de elevado interesse cient&iacute;fico, que criam grandes expectativas terap&ecirc;uticas A edi&ccedil;&atilde;o de 2009 dos Pr&eacute;mios de Investiga&ccedil;&atilde;o Pfizer mostrou-se generosa para com os cientistas portugueses. Na categoria de Investiga&ccedil;&atilde;o B&aacute;sica, o 1&ordm; Pr&eacute;mio foi entregue, ex-aequo, a duas equipas, a primeira liderada por Miguel Parreira Soares e a segunda por Miguel Godinho Ferreira, ambos do Instituto Gulbenkian de Ci&ecirc;ncia. O mesmo sucedeu no dom&iacute;nio da investiga&ccedil;&atilde;o Cl&iacute;nica, onde o pr&eacute;mio foi repartido entre grupos coordenados por Mafalda Bourbon, do Instituto Nacional de Sa&uacute;de Dr. Ricardo Jorge e por Bruno Silva Santos, do Instituto de Medicina Molecular. A profus&atilde;o pouco comum de pr&eacute;mios, resulta da enorme dificuldade de escolha sentida pelo j&uacute;ri, perante 45 candidaturas de elevado interesse cient&iacute;fico, que criam grandes expectativas terap&ecirc;uticas Em cerim&oacute;nia p&uacute;blica realizada na Aula Magna da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, os Laborat&oacute;rios Pfizer e a Sociedade das Ci&ecirc;ncias M&eacute;dicas de Lisboa (SCML) entregaram pr&eacute;mios (no valor pecuni&aacute;rio de 10 mil euros) aos melhores trabalhos submetidos nas categorias de Investiga&ccedil;&atilde;o B&aacute;sica e investiga&ccedil;&atilde;o Cl&iacute;nica. Neste ano de 2009, o j&uacute;ri decidiu distinguir dois trabalhos em cada &aacute;rea com o primeiro pr&eacute;mio. Na vertente da Investiga&ccedil;&atilde;o B&aacute;sica, foram destacados os trabalhos "Os tel&oacute;meros omitem a detec&ccedil;&atilde;o das extremidades dos cromossomas por interrup&ccedil;&atilde;o da cadeia de sinaliza&ccedil;&atilde;o de checkpoint", da autoria de Miguel Godinho Ferreira e Tiago Daniel Carneiro, assim como "Seguindo a base molecular da toler&acirc;ncia do hospedeiro &agrave; infec&ccedil;&atilde;o por Plasmodium", da autoria de Miguel Parreira Soares. J&aacute; no campo da Investiga&ccedil;&atilde;o Cl&iacute;nica, os trabalhos escolhidos foram "Activa&ccedil;&atilde;o linfocit&aacute;ria e reconhecimento molecular de c&eacute;lulas malignas: implica&ccedil;&otilde;es para a imunoterapia do cancro", de Bruno Silva Santos, e "Hipercolesterolemia familiar: uma oportunidade para a medicina preventiva", desenvolvido por uma vasta equipa com coordena&ccedil;&atilde;o de Mafalda Bourbon. A ministra da Sa&uacute;de declarou estar satisfeita pelo facto dos trabalhos premiados "envolverem diversas &aacute;reas da Sa&uacute;de", felicitando em simult&acirc;neo "as institui&ccedil;&otilde;es e os investigadores que deram o contributo para estes avan&ccedil;os". Ana Jorge recordou que "muitos dos profissionais agora distinguidos iniciaram a sua experi&ecirc;ncia fora de Portugal, tendo o seu valor sido devidamente reconhecido ap&oacute;s o regresso. &Eacute; de valorizar esta vontade de construir e desenvolver um novo panorama de sa&uacute;de em Portugal". Segundo Leonor Parreira, presidente da SCML, a tarefa desta institui&ccedil;&atilde;o no &acirc;mbito dos Pr&eacute;mios Pfizer tem sido "cada vez mais dif&iacute;cil nos &uacute;ltimos anos, o que representa uma boa not&iacute;cia. Temos assistido a um not&aacute;vel crescimento da qualidade dos trabalhos submetidos a concurso, bem como &agrave; entrada maci&ccedil;a de jovens investigadores de todo o pa&iacute;s - talentosos, bem preparados para fazer ci&ecirc;ncia - na lista de candidaturas". Assim, a respons&aacute;vel da SCML recorda que, de ano para ano, os j&uacute;ris t&ecirc;m sido cada vez mais vezes obrigados a recorrer a peritos internacionais, "para desempatar trabalhos de grande qualidade, um sin&oacute;nimo do progresso para a ci&ecirc;ncia m&eacute;dica e biom&eacute;dica". J&aacute; Ana Paula Carvalho, Managing Director dos Laborat&oacute;rios Pfizer, lembrou que desde a sua funda&ccedil;&atilde;o (em 1956), os Pr&eacute;mios Pfizer j&aacute; "foram entregues a mais de 170 investigadores e cientistas". A respons&aacute;vel da companhia farmac&ecirc;utica revelou que a aposta no apoio &agrave; investiga&ccedil;&atilde;o &eacute; duradoura, apesar de 2009 ter sido um ano de significativas mudan&ccedil;as para a Pfizer: "cri&aacute;mos uma estrutura organizacional mais centrada no doente e no profissional de sa&uacute;de. Estamos mais &aacute;geis e procuramos estar atentos &agrave;s transforma&ccedil;&otilde;es no Servi&ccedil;o Nacional de Sa&uacute;de, no qual acreditamos". A companhia enfrentou, no &uacute;ltimo ano, algumas adversidades. Entre estas encontram-se dificuldades adicionais no acesso de novas terap&ecirc;uticas ao mercado, a que acresceu uma "estabilidade prec&aacute;ria no que se refere ao enquadramento legal do medicamento", afirmou Ana Paula Carvalho. Esta respons&aacute;vel salientou ainda a "recente viola&ccedil;&atilde;o dos direitos de propriedade intelectual de um dos medicamentos da Pfizer, na &aacute;rea da Doen&ccedil;a de Alzheimer". Pese embora todos estes obst&aacute;culos, Ana Paula Carvalho reiterou "a responsabilidade social da Pfizer e o seu compromisso num contexto em que as necessidades s&atilde;o crescentes e os recursos escassos". Os protagonistas Miguel Godinho Ferreira O que se passa na ponta dos cromossomas? No trabalho "Os tel&oacute;meros omitem a detec&ccedil;&atilde;o das extremidades dos cromossomas por interrup&ccedil;&atilde;o da cadeia de sinaliza&ccedil;&atilde;o de checkpoint", os investigadores Miguel Godinho Ferreira e Tiago Daniel Carneiro, do Instituto Gulbenkian de Ci&ecirc;ncia, procuraram explicar uma aparente contradi&ccedil;&atilde;o. Os tel&oacute;meros - estruturas protectoras que formam as extremidades dos cromossomas - parecem n&atilde;o excluir as enzimas respons&aacute;veis pela detec&ccedil;&atilde;o de danos de ADN (potencialmente disruptivas para os cromossomas quando actuam em outros locais) recrutando e fazendo uso dessas enzimas para a sua fun&ccedil;&atilde;o protectora. Aquilo que a sua investiga&ccedil;&atilde;o revelou foi a circunst&acirc;ncia de a cadeia de eventos iniciada por estas enzimas, quando presentes nos tel&oacute;meros, ser cortada a meio pela ac&ccedil;&atilde;o de uma prote&iacute;na telom&eacute;rica com o nome de Pot1. Desta forma, a sinaliza&ccedil;&atilde;o de danos de ADN &eacute; iniciada mas logo impedida de se propagar, o que poderia levar a consequ&ecirc;ncias nefastas para os cromossomas. Os investigadores acreditam, pois, que uma enzima que em princ&iacute;pio seria prejudicial para os cromossomas &eacute; sequestrada por prote&iacute;nas telom&eacute;ricas e reconduzida para atrair a telomerase, permitindo a gera&ccedil;&atilde;o de novas sequ&ecirc;ncias de ADN protectoras. As vantagens terap&ecirc;uticas desta investiga&ccedil;&atilde;o poder&atilde;o vir a desenrolar-se na &aacute;rea oncol&oacute;gica, ou nas patologias associadas &agrave; 3&ordf; idade. Mafalda Bourbon Conhecer a hipercolesterolemia familiar, para melhor a tratar Mafalda Bourbon trabalhou muitos anos no Reino Unido, como investigadora. No seu regresso a Portugal encetou um estudo que j&aacute; leva praticamente uma d&eacute;cada de dura&ccedil;&atilde;o e que est&aacute; centrado na identifica&ccedil;&atilde;o dos diversos tipos de muta&ccedil;&otilde;es que podem ser encontradas no gene do receptor das lipoprote&iacute;nas de baixa densidade (LDLR), muta&ccedil;&otilde;es essas que d&atilde;o origem &agrave; hipercolesterolemia familiar (HF). A partir do Instituto Nacional de Sa&uacute;de Dr. Ricardo Jorge (Grupo de Investiga&ccedil;&atilde;o Cardiovascular - Unidade de I&D; Departamento de Promo&ccedil;&atilde;o da Sa&uacute;de e Doen&ccedil;as Cr&oacute;nicas), Mafalda Bourbon e uma equipa restrita de investigadores e bolseiros teceu uma malha de contactos por todo o pa&iacute;s, no sentido de chegar junto dos m&eacute;dicos que acompanham este tipo de doentes. Especialistas em Endocrinologia, Medicina Interna, Cardiologia, Gen&eacute;tica Cl&iacute;nica, Medicina Geral e Familiar, Nutri&ccedil;&atilde;o e muitas outras &aacute;reas de conhecimento, passaram a colaborar no estudo, possibilitando o envio de amostra essenciais &agrave; realiza&ccedil;&atilde;o de estudos funcionais in vitro, sem os quais n&atilde;o &eacute; poss&iacute;vel estratificar o risco cardiovascular destes doentes. Hoje, est&atilde;o claramente identificadas as muta&ccedil;&otilde;es encontradas em 457 doentes com diagn&oacute;stico cl&iacute;nico estabelecido e identificadas 159 fam&iacute;lias portuguesas afectadas por esta patologia. Um total de 64 mortes j&aacute; verificadas nestas fam&iacute;lias poderiam eventualmente ter sido evitadas, caso a identifica&ccedil;&atilde;o da muta&ccedil;&atilde;o no LDLR tivesse surgido mais cedo e se adaptasse a terap&ecirc;utica ao contexto apurado para cada fam&iacute;lia, prevenindo assim o surgimento de doen&ccedil;a cardiovascular prematura. Isto porque a agressividade da terap&ecirc;utica para baixar os valores de colesterol do sangue depende, antes de mais, da muta&ccedil;&atilde;o em causa. O escopo do estudo &eacute; gigantesco, uma vez que as estimativas apontam para a exist&ecirc;ncia de 20 mil doentes em Portugal. Tal significa que Mafalda Bourbon e restantes colegas apenas afloraram esta realidade. Embora reconhe&ccedil;a que dificilmente poder&aacute; chegar &agrave; identifica&ccedil;&atilde;o exacta de quem s&atilde;o os estimados 20 mil portugueses afectados por HF (e das suas respectivas muta&ccedil;&otilde;es), Mafalda Bourbon garante que "continuar&aacute; a tentar aproximar-se desse n&uacute;mero, nem que o tenha de fazer at&eacute; aos 70 anos". De qualquer modo, a investigadora reconhece um enorme progresso na avalia&ccedil;&atilde;o da doen&ccedil;a em Portugal: "quando h&aacute; alguns anos regressei do estrangeiro, quase n&atilde;o existiam cl&iacute;nicas de l&iacute;pidos a funcionar. Vinha de uma realidade em que vigoravam redes de cl&iacute;nicas neste campo e quando chego a Portugal o panorama era totalmente diferente. Foi necess&aacute;rio encetar contactos pessoais, m&eacute;dico a m&eacute;dico, para sensibiliz&aacute;-los face ao diagn&oacute;stico da doen&ccedil;a". Miguel Che Parreira E se a doen&ccedil;a pudesse ser enfrentada sem combate directo? O investigador Miguel Che Parreira Soares, do Instituto Gulbenkian da Ci&ecirc;ncia, lidera uma equipa que se lan&ccedil;a num conceito revolucion&aacute;rio: e se para al&eacute;m do mecanismo bem conhecido de combate &agrave;s infec&ccedil;&otilde;es encetado pelo sistema imunit&aacute;rio, os organismos possu&iacute;ssem outro mecanismo central de defesa, baseado na toler&acirc;ncia ao agente infeccioso, que permitiria a sobreviv&ecirc;ncia do organismo, num balan&ccedil;o negociado com o respons&aacute;vel pela infec&ccedil;&atilde;o? O grupo considera que caso consiga entender os pressupostos desta via alternativa de defesa, poder&aacute; dar origem a implica&ccedil;&otilde;es terap&ecirc;uticas de vulto, num futuro pr&oacute;ximo. O trabalho agora premiado pelos pr&eacute;mios Pfizer, intitulado "Seguindo a base molecular da toler&acirc;ncia do hospedeiro &agrave; infec&ccedil;&atilde;o por Plasmodium", explora este percurso a partir de uma das doen&ccedil;as mais mort&iacute;feras conhecidas pela humanidade, a mal&aacute;ria. Miguel Parreira Soares admite que o agente da mal&aacute;ria &eacute; pouco eficiente na sua propaga&ccedil;&atilde;o, mas que esta falta de efici&ecirc;ncia &eacute; compensada pelo car&aacute;cter grotesco dos n&uacute;meros: "anualmente 100 milh&otilde;es de pessoas s&atilde;o infectadas pelo agente da mal&aacute;ria. Apenas 2% desenvolve mal&aacute;ria cerebral e 1% acaba por morrer. Por&eacute;m, esse 1% representa um milh&atilde;o de pessoas que perde a vida. Trata-se de uma realidade de n&uacute;meros que apenas pode ser descrita como colossal". No &acirc;mbito deste estudo, os investigadores comprovaram que os efeitos perniciosos do heme livre podem ser prevenidos, se o indiv&iacute;duo infectado expressar n&iacute;veis adequados da enzima Heme oxygenase-1 (HO-1). Esta prote&iacute;na &eacute; expressa como resposta ao stress e cataboliza os grupos h&eacute;micos em mon&oacute;xido de carbono (CO), ferro e biliverdina, compostos que n&atilde;o s&atilde;o prejudiciais ao hospedeiro da infec&ccedil;&atilde;o. Assim, estimular a produ&ccedil;&atilde;o da HO-1 &eacute; um mecanismo que permite toler&acirc;ncia &agrave; infec&ccedil;&atilde;o por Plasmodium, possibilitando a sobreviv&ecirc;ncia do indiv&iacute;duo mesmo que a infec&ccedil;&atilde;o n&atilde;o seja erradicada. Os investigadores avan&ccedil;am mesmo que a evolu&ccedil;&atilde;o se encarregou de fomentar esta via de defesa, em algumas regi&otilde;es do mundo onde a mal&aacute;ria &eacute; end&eacute;mica, por via da anemia falciforme, que parece conferir aos indiv&iacute;duos com esta hemoglobinopatia uma resist&ecirc;ncia &agrave; parasitose. Ou seja, estabelece-se uma esp&eacute;cie de acordo ou trade-off, em que o agente infeccioso n&atilde;o compromete a viabilidade do organismo infectado e o sistema imunit&aacute;rio do hospedeiro consegue controlar as consequ&ecirc;ncias da infec&ccedil;&atilde;o. A equipa coordenada por Miguel Parreira Soares acredita que estas descobertas podem ser importantes n&atilde;o s&oacute; na luta contra a mal&aacute;ria, mas tamb&eacute;m para compreender a patog&eacute;nese de outras doen&ccedil;as inflamat&oacute;rias mediadas pelo sistema imunit&aacute;rio. Bruno Silva Santos Acordar o potencial dos linf&oacute;citos T gama-delta O investigador Bruno Silva Santos (Instituto de Medicina Molecular - Unidade de Imunologia Molecular) desenvolveu em conjunto com v&aacute;rios colegas um trabalho centrado na ac&ccedil;&atilde;o dos linf&oacute;citos T gama-delta, que t&ecirc;m a capacidade de destruir c&eacute;lulas tumorais, particularmente de linfomas e leucemias. Apesar do enorme poder destes linf&oacute;citos, estes est&atilde;o regra geral em estado de repouso no organismo, necessitando de ser estimulados por vias de activa&ccedil;&atilde;o e de reconhecer o tumor como um perigo a eliminar. O trabalho premiado esteve deste modo focado no objectivo de despertar este tipo de linf&oacute;citos. Numa fase inicial, os investigadores caracterizaram em detalhe o efeito activador de um composto de origem microbiana (chamado HMB-PP), que estimula especificamente esta popula&ccedil;&atilde;o de linf&oacute;citos. O composto encontra-se, ali&aacute;s, j&aacute; a ser testado em ensaios cl&iacute;nicos. A equipa observou tamb&eacute;m que embora activados, os linf&oacute;citos T gama-delta s&oacute; conseguiam destruir (em ensaios in vitro) alguns dos linfomas e leucemias analisados. Seguiu-se a tentativa de perceber por que raz&atilde;o alguns tumores s&atilde;o eficazmente destru&iacute;dos pelos linf&oacute;citos T gama-delta, enquanto outros se mostram resistentes. A explica&ccedil;&atilde;o reside numa prote&iacute;na que determina a susceptibilidade &agrave; ac&ccedil;&atilde;o dos linf&oacute;citos T gama-delta. Assim, tumores que expressam esta prote&iacute;na na superf&iacute;cie das suas c&eacute;lulas s&atilde;o destru&iacute;dos, enquanto tumores desprovidos dessa prote&iacute;na s&atilde;o resistentes. A manipula&ccedil;&atilde;o laboratorial da express&atilde;o de tal prote&iacute;na nos tumores poder&aacute;, no futuro, aumentar a susceptibilidade destes &agrave; ac&ccedil;&atilde;o dos linf&oacute;citos T gama-delta. &Eacute; j&aacute; poss&iacute;vel, gra&ccedil;as a esta investiga&ccedil;&atilde;o, avaliar correctamente os pacientes que est&atilde;o indicados para uma imunoterapia com linf&oacute;citos T gama-delta.

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